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Zelensky em cheque
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Zelensky em cheque

entre o orgulho e a realidade

Hoje, vamos dissecar um dos momentos mais emblemáticos da geopolítica recente: a tensa reunião entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky no Salão Oval. Mais do que um simples encontro diplomático, essa conversa revelou as reais condições do apoio americano à Ucrânia, evidenciando um reposicionamento da política externa dos EUA e a assimetria na relação entre Washington e Kiev. Trump, desde o início, deixou claro que ele é quem dita as regras do jogo.

O tom inicial: Trump impõe a narrativa

O diálogo começa com Trump assumindo uma postura ao mesmo tempo amigável e inflexível, deixando evidente que, apesar da coragem demonstrada pelos soldados ucranianos, a guerra depende dos Estados Unidos. Aos 2 minutos e 39 segundos do vídeo, ele afirma categoricamente:

“Mas agora temos que acabar com isso. Já chega. Mas agora queremos acabar com isso.”

Trump utiliza um tom resoluto, sugerindo que o apoio americano tem limites e que o desfecho da guerra deve acontecer sob seus termos. A mensagem implícita é clara: Zelensky precisa aceitar que sua margem de manobra é restrita e que a continuidade do apoio militar americano não é incondicional.

Zelensky: entre a gratidão e a necessidade de mais apoio

Zelensky, por sua vez, busca equilibrar sua posição entre a expressão de gratidão e a pressão por mais recursos. Sua primeira fala já demonstra uma estratégia diplomática de reafirmação de interesses. Aos 3min. 13s de vídeo, Zelensky diz:

“Eu realmente espero que este documento - o primeiro documento - seja o primeiro passo para a garantia real de segurança para a Ucrânia, o nosso povo e nossos filhos. Eu realmente conto com isso e, claro, contamos que a América não vai parar de nos apoiar. Realmente, para nós, é muito importante.”

Zelensky se antecipa a qualquer possibilidade de um acordo limitante e ressalta que a Ucrânia precisa de mais do que um simples documento. Ele demonstra ansiedade ao reforçar, desde o início, que o apoio dos EUA é indispensável, tentando afastar qualquer indício de redução da assistência militar.

O apelo emocional e a realpolitik de Trump

A reunião avança com Zelensky reiterando suas necessidades militares, apelando para a questão da defesa aérea e para a continuidade da cooperação no setor. Aos 4min. 31s, o presidente ucraniano afirma:

“Precisamos muito da defesa aérea. Vocês têm a melhor defesa aérea do mundo. E realmente nos ajuda sob o ataque dos russos.”

O presidente ucraniano se esforça para consolidar um compromisso americano de longo prazo, mas Trump desvia a conversa para a necessidade de encerrar o conflito. O ponto de inflexão acontece quando Zelensky introduz o tema das crianças ucranianas sequestradas, tentando sensibilizar Trump para obter concessões.

No entanto, Trump responde com frieza:

“Queremos terminar logo com isso.”

Essa resposta, seca e direta, reafirma que para Trump o objetivo é um desfecho rápido e sob seus termos, sem permitir que Zelensky controle a narrativa emocional.

Trump impõe condições e questiona concessões

Quando questionado pelos jornalistas presentes no Salão Oval sobre as condições do acordo, Trump reforça que não existe negociação sem concessões:

“Eu acho que você sempre vai ter que fazer concessões, você não pode fazer nenhum acordo sem concessões. Então, certamente, ele vai ter que fazer algumas concessões, mas espero que elas não sejam tão grandes quanto algumas pessoas pensam.”

Aqui, Trump envia um recado tanto para Zelensky quanto para Moscou: o futuro da Ucrânia será decidido dentro dos limites da realpolitik americana.

Em outro momento crucial, Trump reafirma que o apoio dos EUA à Ucrânia não é um cheque em branco. Aos 45 minutos e 18 segundos do vídeo, Trump diz:

“Se vocês não tivessem os nossos equipamentos militares, esta guerra teria terminado em duas semanas.”

Essa afirmação é uma demonstração de poder e uma exigência velada de lealdade. Trump deixa claro que sem os EUA, a Ucrânia estaria derrotada, e que o apoio americano vem acompanhado de obrigações.

O clímax do embate: Trump corta Zelensky

A tensão chega ao auge quando Zelensky tenta reforçar a necessidade de um acordo robusto, enquanto Trump corta sua argumentação. Aos 43 minutos e 49 segundos, Trump diz:

“Você não tem as cartas agora. Conosco [EUA], você tem as cartas. Você está jogando cartas. Você está apostando com a vida de milhões de pessoas. Você está apostando com a Terceira Guerra Mundial.”

A metáfora do jogo de cartas não é acidental. Trump reforça que o destino da Ucrânia está essencialmente nas mãos dos EUA. Zelensky tenta reverter a narrativa, mas Trump o enquadra novamente:

“O seu povo é corajoso, mas ou você vai fazer um acordo, ou nós estamos fora. E se estivermos fora, você vai lutar, mas não vai ser bonito.”

O encontro termina sem um acordo concreto, com um Zelensky visivelmente frustrado, que mais tarde lamentaria o embate sem, no entanto, se desculpar. O impacto imediato foi uma crescente incerteza sobre o futuro da relação EUA-Ucrânia e especulações sobre um possível enfraquecimento do apoio militar americano.

Análise

Trump consolidou sua posição como o principal arquiteto das negociações, deixando claro que a continuidade do apoio americano está condicionada à sua própria estratégia geopolítica. Zelensky, por outro lado, encontrou-se em um dilema complexo: defender os interesses da Ucrânia sem antagonizar seu principal aliado.

O acordo de minerais: um pacto problemático

Um dos pontos mais controversos da reunião foi a proposta de Trump para um acordo de exploração mineral entre os EUA e a Ucrânia. A ideia era simples: em vez de continuar enviando assistência militar, Washington teria acesso aos recursos minerais estratégicos da Ucrânia, em especial lítio e terras raras, essenciais para a indústria tecnológica e de defesa.

A proposta previa a criação de um fundo de investimento conjunto para a reconstrução da Ucrânia, no qual 50% das receitas provenientes da monetização dos recursos naturais seriam administradas conjuntamente pelos governos dos EUA e da Ucrânia.

Mas... o que isso significaria na prática?

Para os EUA, seria um excelente negócio, garantindo acesso a recursos estratégicos sem precisar investir bilhões de dólares em ajuda militar direta. O controle sobre esses minerais, essenciais para indústrias de tecnologia, defesa e energia, permitiria aos EUA reduzir sua dependência da China, que hoje domina a cadeia global de fornecimento de terras raras.

Além disso, ao estruturar o acordo como um investimento econômico e não como assistência militar, Washington evitaria um embate direto com sua opinião pública, que tem se mostrado cada vez mais cética em relação ao financiamento de conflitos externos. Uma pesquisa recente, divulgada pelo Financial Times, revelou que mais de 60% dos americanos acreditam que a ajuda externa dos EUA é desperdiçada em corrupção ou taxas administrativas.

Com essa abordagem, os EUA poderiam fortalecer sua presença econômica na Ucrânia ao garantir direitos preferenciais de exploração dos recursos minerais estratégicos do país.

O modelo proposto permitiria que empresas americanas investissem na extração e refino desses materiais sem a necessidade de comprometer mais fundos para assistência militar. Trump menciona que o acordo em si protegerá os minerais, sugerindo que o próprio acordo terá cláusulas ou mecanismos para garantir que os recursos sejam explorados de forma segura.

Além disso, ele expressa confiança de que, uma vez que o acordo seja assinado, a Rússia não tentará invadir ou agredir as áreas onde os minerais estão localizados. Para Trump, o foco imediato é fechar o acordo e encerrar a guerra, deixando a segurança como uma questão secundária:

"A segurança é tão fácil… isso é cerca de 2% do problema".

Entretanto, o presidente estadunidense não deixou claro como relação entre investimento e segurança seria resolvida.

Para a Ucrânia, o acordo poderia representar uma venda de seus recursos em condições desvantajosas, pois permitiria que empresas americanas explorassem minas em território ucraniano sob condições de governança ainda indefinidas. Além disso, há preocupações sobre a soberania econômica do país, já que parte significativa dos lucros obtidos poderia ser redirecionada para o fundo conjunto, reduzindo a autonomia de Kiev sobre seus próprios recursos naturais.

Críticos do acordo alertam que essa governança compartilhada poderia tornar a Ucrânia excessivamente dependente dos EUA, limitando sua capacidade de tomar decisões estratégicas sobre seus recursos naturais e políticas econômicas de longo prazo. Segundo Cristian Segura, numa matéria do El País, a ajuda recebida pela Ucrânia da Casa Branca equivale a um quarto do que Trump exige em troca na forma de recursos minerais ucranianos.

Zelensky em cheque: entre o orgulho e a realidade

Zelensky enfrenta um dilema de proporções históricas. Se aceitar os termos impostos pelos EUA incondicionalmente, a Ucrânia pode contar com 95% de probabilidade, de acordo com os cálculos de Trump, de que os ataques russos cessarão e não voltarão mais a ocorrer. Entretanto, mesmo que Trump seja o mestre das negociações, habilidade que o deixou famoso, ainda haveria 5% de probabilidade de a Rússia voltar a atacar. Além disso, o preço seria alto: a entrega de 50% dos lucros das riquezas minerais do país.

Se tentar obter melhores condições, corre o risco de irritar Washington e enfraquecer sua posição diplomática, especialmente diante de uma administração que valoriza pragmatismo acima de alianças ideológicas.

A terceira opção, um rompimento com os EUA e a busca por novos aliados, é a mais arriscada, pois coloca em xeque a capacidade da Ucrânia de sustentar a guerra sem o suporte ocidental. Além disso, ao insistir em sua postura intransigente e reivindicar que a Rússia pague pela guerra, Zelensky pode estar, como advertiu Trump, apostando perigosamente na expansão do conflito e flertando com a possibilidade de uma terceira guerra mundial. O impasse o coloca em uma posição desconfortável, na qual cada decisão pode redefinir não apenas o futuro da Ucrânia, mas também a estabilidade global.

Qual será o próximo passo de Zelensky? Com um cenário geopolítico cada vez mais incerto, sua decisão terá repercussões que vão além das fronteiras ucranianas. Se ceder, poderá garantir apoio militar e econômico, mas a um custo potencialmente alto para a soberania nacional. Se resistir, poderá perder o suporte vital dos EUA e ver sua posição militar enfraquecida. Seja qual for sua escolha, o desenrolar desse impasse determinará os rumos da guerra e da ordem global nos próximos anos.

Referências

Al Jazeera. Mapping Ukraine's rare earth and critical minerals. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2025/2/28/mapping-ukraines-rare-earth-and-critical-minerals?form=MG0AV3. Acesso em: 03 mar. 2025.

Business Insider. The art of no deal: Negotiation experts dissect Trump and Zelenskyy's Oval Office clash. Disponível em: https://www.businessinsider.com/zelenskyy-trump-clash-negotiations-deal-ukraine-russia-2025-3. Acesso em: 03 mar. 2025.

Carnegie Endowment for International Peace. Michael Kofman. Disponível em: https://carnegieendowment.org/people/michael-kofman?lang=en. Acesso em: 03 mar. 2025.

CNN. Fiona Hill on Donald Trump and Joe Biden. Disponível em: https://edition.cnn.com/2022/02/20/politics/fiona-hill-donald-trump-joe-biden/index.html. Acesso em: 03 mar. 2025.

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El País. Coacción mafiosa para obtener la rendición. Disponível em: https://elpais.com/opinion/2025-03-02/coaccion-mafiosa-para-obtener-la-rendicion.html. Acesso em: 03 mar. 2025.

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Público. Avançam preparativos para reunião Trump-Putin após visita de Zelensky à Casa Branca. Disponível em: https://www.publico.pt/2025/03/03/mundo/noticia/avancam-preparativos-reuniao-trump-putin-apos-visita-zelensky-casa-branca-2124557. Acesso em: 03 mar. 2025.

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VEJA. Com Putin, sem Zelensky: o plot twist de Trump na guerra da Ucrânia. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/com-putin-sem-zelensky-o-plot-twist-de-trump-na-guerra-da-ucrania. Acesso em: 03 mar. 2025.

Politico. Speaker Mike Johnson says Zelenskyy may need to resign. Disponível em: https://www.politico.com/news/2025/03/02/mike-johnson-ukraine-zelenskyy-00206885. Acesso em: 03 mar. 2025.

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